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Me aproprio do nome – e da lição cruel – do belíssimo e duríssimo livro do alemão Erich M. Remarque, mais uma vez adaptado para o cinema pelas mãos do diretor Edward Berger (com nove indicações ao Oscar) para contar uma história que aconteceu essa semana em Joinville, maior cidade do estado de Santa Catarina.

Sonho de qualquer repórter, conseguir um “furo jornalístico” e ver seu texto repercutido em todo o Brasil é gratificante.

No caso de Leandro Schmitz, o “furo” lhe custou o emprego.

O jornalista foi o autor de uma ótima reportagem sobre trabalho análogo a escravidão em uma empresa terceirizada pela prefeitura de Joinville. Imagens mostram 13 trabalhadores transportados em um caminhão baú fechado e se alimentando dentro de um canil do Centro de Bem-Estar Animal (CBEA). A questão foi acompanhada pelo Sindicato dos Servidores Públicos de Joinville (Sinsej).

As imagens foram amplamente divulgadas no jornal Folha Metropolitana.

O repórter Leandro fez todo que dita o manual do jornalismo: viu as imagens, ouviu o sindicato denunciante, buscou informações com a empresa. Descobriu que a empresa terceirizada Celso Kudla Empreiteiro Eireli, era a responsável pela obra de reestruturação do local. Também apurou que o contrato assinado pela prefeitura em 2020 é estipulado em R$ 1,3 milhão e prevê obras como ampliação, pavimentação de passeio e acessos. “Inicialmente a vigência do contrato era de 12 meses, mas de acordo com um aditivo publicado em 2022 no Portal da Transparência do município, o prazo de execução foi esticado (sic) até o dia 05/03/2023”, consta na matéria.

Os trabalhadores tinham 800 reais descontados do salário referente ao transporte no caminhão baú e à alimentação.

Schmitz buscou os contrapontos com a prefeitura de Joinville e a empreiteira. O secretário de Meio Ambiente da prefeitura, Fábio João Jovita, responsável pelo Centro de Bem-estar Animal, disse que não conhecia as condições dos trabalhadores e que irá apurar o caso.

O jornalista ouviu todos os envolvidos e apresentou vídeos e fotos como provas do que havia apurado.

Matéria redondinha, bem feita, logo a denúncia ganhou espaço na mídia nacional, sendo replicada na Veja, Desacato, Revista Fórum e vários outros portais.

Furo jornalístico. Repercussão nacional. Hora de comemorar.

E o que acontece com o Leandro Schmitz no dia mais excitante da carreira de qualquer jornalista?

É DEMITIDO.

Diante de tanta repercussão negativa junto à prefeitura da cidade, a Folha Metropolitana dispensou o repórter no dia seguinte à publicação da matéria.

Falei com Leandro e ele, obviamente, estava atônito. “Essa questão me deu uma bela desestabilizada. Eu te confesso que estou um pouco assustado com tudo isso. Está repercutindo muito ainda, não sei o que vai dar. Tem gente capacitada dentro da prefeitura que está pra ser cortada também. Gente que não merece. Então eu estou assustado. Acho que esta é a palavra que me define nesse momento”, afirmou.

A demissão causou ainda mais barulho em Joinville. O O Sindicato dos Servidores Públicos do Município emitiu uma nota manifestando apoio e solidariedade ao jornalista. No documento, o movimento sindical faz acusações de que teria ocorrido “pressão” da prefeitura, comandada pelo partido NOVO, pelo desligamento de Schmitz.

“Leandro publicou em primeira mão a matéria que denunciou as condições de trabalho análogo à escravidão na obra do Centro de Bem-Estar Animal de Joinville (CBEA) e por conta deste furo de reportagem foi desligado do veículo. A demissão claramente é fruto de pressão da prefeitura de Joinville, que como contratante, deveria fiscalizar os trabalhos de sua terceirizada na obra. É simbólico que o executivo municipal tenha levado apenas algumas horas para pedir a cabeça do jornalista que denunciou a situação, enquanto se fez de cega por meses em relação a situação dos trabalhadores do CBEA”, consta na nota. “As atitudes do prefeito em relação a este caso beiram o coronelismo e fariam brilhar os olhos de escravocratas de tempos passados. Fica inclusive a sugestão para a mudança no nome do partido, de Novo para Velho ou Antigo, já que as atitudes de sua gestão remetem aos piores momentos do século 18”.

Sobre os trabalhadores, o caso vem sendo apurado.

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Essa cena é do filme Nada de Novo em Santa Catarina, ops…Nada de Novo no Front. Tem na Netflix.

A prefeitura, comandada por Adriano Silva tem como uma das principais bandeiras a terceirização de mão de obra. É a bandeira do partido Novo: “Estado simples, leve e eficiente. Parcerias, concessões e privatizações para a infraestrutura”. Mas a PMJ não se manifestou abertamente sobre a situação dos trabalhadores e muito menos sobre a demissão dos jornalistas.

O Sindicato de Jornalistas de Santa Catarina ainda não se pronunciou sobre o tema. Deveria fazê-lo o quanto antes.

Resumindo a história, teremos nota de repúdio aqui, nota de esclarecimento ali. E fim.

Sem spoiler ou trocadilhos, é como o filme do Edward Berger.

Nada de novo em Santa Catarina.

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